Ser mãe
 



Cronicas

Ser mãe

Marlise Vidon


Estava aqui me preparando para rever o texto que escrevi sobre minha mãe, quando ouvi um miado no quarto ao lado. Sem entender ao certo o que era, fui olhar. Minha filha de 18 anos estava aos prantos, dizendo que o namorado ia terminar com ela. Larguei minha intenção prévia, de reescrever um texto sobre minha mãe e fui acudir minha filha. Abraçadas, perguntei o que houve.

Parece que o namorado foi ríspido e ameaçou terminar justamente agora, em vésperas do vestibular de medicina, para o qual ela tanto se dedicou. "Mas mãe, o que vou fazer, não vou conseguir arrumar um namorado tão bonito no cursinho e minhas amigas estão todas namorando. Nem tenho tempo de sair, só de estudar". Respirei fundo e pensei na minha melhor frase para confortar uma adolescente. Afinal, já tive 18 anos e achei que nunca seria feliz ou amada. Quem é mãe sabe a antipatia que a gente sente de um namorado que entristece um filho nosso.

"Filha, mas você é uma boneca, inteligente, prestes a começar o curso de medicina. Estudiosa e centrada. E ele, um garoto bonito que não quer estudar". Vi que minha estratégia estava funcionando e fui refinando a avaliação da situação. Consegui fazê-la colocar o celular no modo avião e parar de olhar se ele mandou mensagem. E quando ela disse que não conseguiria estudar naquela angústia, contei que boa parte dos meus estudos foram associados a momentos assim. Começos e recomeços, vários amores frustrados e sempre estudando, com ou sem problemas.

Com ela mais calma, deitada no meu colo, fui conversando sobre o rapaz, sobre outras possibilidades numa faculdade, em como era importante aquela fase para se construir o futuro. E para coroar com chave de ouro, me desculpem os homens, disse que beleza não põe mesa e que no final, boa parte dos homens ficam acomodados, barrigudos e carecas. Já tinha conseguido arrancar um sorriso dela. Completamos com uma comida chinesa e ainda espero assistir "Rei leão" ou "Frozen" daqui a pouco.

Não consegui retomar ao tema sobre maternidade previamente escolhido, porque me dei conta de que ser mãe é isto, estar ao lado, acolher, largar tudo caso o filho precise, dar conselhos com as melhores intenções, esperando poder ajudar. Havia encontrado minha definição de ser mãe: se for preciso, mudar de rumo pelo filho.

Assim como minha própria mãe desistiu de todo seu talento para criar a família, numa cidade pequena do interior que não conseguiu absorver todas as suas habilidades. Que foi infeliz por não conquistar seus sonhos, mas que criou uma família honesta e unida, fazendo valer à pena, agora que o Alzheimer lhe roubou a memória. Hoje ela é feliz, sem memórias ou habilidades, com a família ao redor.

Da mesma forma, mudei de projetos e rumos a cada necessidade da minha filha e de minhas sobrinhas tidas como filhas, sempre que foi necessário. Revi conceitos e escolhas por elas. Parei de olhar para mim, para olhar para elas, menos centrada nos meus próprios interesses.

Não sei se será o final do namoro da minha filha ou se irão continuar juntos. Sei que já chorei muito pelo mesmo motivo que vi minha filha chorar hoje e aprendi que algumas pessoas vêm e vão sem explicação e que às vezes, outras aparecem e reescrevem nossa história. Definitivos são nossos filhos. Independente da situação ou idade, é por eles que mudamos o caminho. Não há felicidade se o filho é infeliz.

Amor de mãe muda o rumo da vida, larga sonhos e ilusões pois a melhor escolha é aquela feita por amor a outra pessoa.


Marlise Vidon, graduada em Medicina pela UFMG, com especialização em Clínica Médica e Geriatria.

 

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